Dando continuidade a ideias levantadas no meu post do dia 12 de fevereiro de 2021 e a ideias discutidas com meu grupo atual de jogadores, trago uma pequena parábola pra ilustrar e discutir um desdobramento dessas ideias.
Há cerca de 2 anos, estava numa campanha de D&D com
outros 3 jogadores e o narrador. Sendo humano, era o único no grupo que não
enxergava naturalmente no escuro. Quando entramos em nossa primeira dungeon,
rapidamente precisei acender uma fonte de luz e logo meu personagem foi
rechaçado pelo personagem de outro jogador. Ele alegava que eu deveria apagar a
luz de qualquer jeito, o que implicaria em uma de duas situações: eu ficaria
parado no escuro sem sequer conseguir andar pois não enxergava por onde caminhava
ou ficaria fora da dungeon. Nenhuma das soluções me agradava uma vez que
acabariam com qualquer possibilidade de diversão pra mim no jogo.
Lembro de ter sentido muita raiva do jogador em questão por
ter me pressionado a uma situação chata dessas, tudo sob a alegação de que
estava interpretando seu personagem (argumento interpretativo que era colocado
e retirado quando bem lhe convinha). Na hora, pensei em inúmeras formas de
responder aquilo, muitas das quais eram pouco polidas ou causariam conflitos e
constrangimentos desnecessários dentro do jogo. Respirei fundo e refleti.
Durante o restante da dungeon, simplesmente ignorei a situação, pensando como
poderia resolver a questão mais adiante.
Quando voltamos ao vilarejo que nos servia de base, logo
procurei um mercador de quem comprei uma hooded lantern, um tipo de
lanterna que possui um fechamento retrátil que permite iluminar a distância ou num
raio extremamente fechado de apenas 1,5m em volta do personagem. Enquanto
conversava com o mercador, ainda aconteceu uma cena em que eu explicava que
precisava daquilo para não atrapalhar e magoar meus amigos, adicionado um certo
drama à situação.
Pronto, problema resolvido. Meu personagem agora poderia
andar dentro da masmorra sem atrapalhar o resto do grupo. Nos níveis seguintes,
peguei também a magia Darkvision que me permitiria enxergar no escuro
ainda que por tempo limitado. Não precisei bater boca, discutir, reclamar com o
outro jogador ou interromper a narrativa de qualquer forma, embora ainda
acredite que ele poderia ter sido mais sensível à questão. Mas naquele momento,
era mais importante que a história seguisse adiante do que eu tentar provar que
tinha razão. Com isso, procurei outra solução que não trouxe qualquer tipo de
incômodo ao resto do grupo de jogadores.
Minha solução de forma alguma negou o conflito existente entre
as agendas e pontos de vista dos personagens, mas entendo que a discussão sobre
isso poderia acontecer em outro momento, até mesmo dentro do jogo, mas em outra
situação mais propícia. O que quero dizer, acredito, é que os conflitos entre
personagens podem e até devem existir, mas quando se tornam algo que interrompe
a narrativa e as pessoas reagem por mero ressentimento ou ego, aí a diversão
foi deixada de lado. Com isso, proponho dois questionamentos:
1) Até que ponto vale “interpretar meu personagem” se isso
implica em criar uma situação que nada acrescenta à narrativa?
2) Será possível “interpretar meu personagem” de outra forma
que atenda aos meus interesses e dos outros jogadores de forma a evitar embates
paralisantes?
Tenho minhas próprias respostas e reflexões nesse tópico,
mas deixo esses questionamentos como sementes de discussão a todos.
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