Nos últimos anos, a frase do
título me provoca calafrios cada vez que a ouço. Minha experiência diz que na
maioria das vezes em que é proferida, serve apenas para o jogador
justificar alguma grande besteira, consciente ou não, que descarrilhou toda uma
aventura. Chamemos a esses atos "descarrilhadores" de ações
disruptivas.
Haverão aqueles que pregarão
que não existem ações disruptivas, apenas narradores incompetentes demais para
saber reagir às ações propostas pelos jogadores. Concordo até certo ponto. Mas
é para além desse ponto que pretendo discutir certas questões relacionadas a um
outro conceito: agência dos jogadores.
O interesse para a reflexão
sobre esse assunto surgiu de uma conversa com um grande amigo meu recentemente.
Ele me contava de como, anos atrás, participou de uma campanha onde criou um
personagem covarde e que, portanto, tentava a todo custo fugir de qualquer
possibilidade de risco. Convenhamos que isso, por si só, já dificulta um bocado
um jogo em que se propõe que os personagens sejam aventureiros. Mas ignorando
essa questão, ele me relata que em dado momento seu personagem realizou uma
ação que travou todo o jogo e prejudicou o grupo todo, potencialmente acabando
ou atrapalhando demais aquela campanha (tinha algo a ver com ele ter fugido com
o único navio de uma ilha onde todos os outros personagens ficaram presos ou
algo assim). O argumento desse meu amigo é que tal ação foi tomada porque o
narrador não criou motivação suficiente para que o personagem dele quisesse
ficar na tal ilha e não fez nada para impedir que ele fugisse com o navio.
Não estava lá pra observar as
minúcias da situação e, pelos pontos apresentados, realmente me parece que
faltou ao narrador um certo jogo de cintura pra lidar com a situação. No
entanto, minha grande questão aqui é justamente enxergar um outro lado da
situação: será que o jogador não poderia ter, ele mesmo, encontrado uma
motivação para seu personagem? E é aqui que entramos numa faceta da tão falada
agência dos jogadores que vejo ser pouco explorada.
Lendo o texto "A
todos os narradores com quem jogarei" da Aline Silva, acho que ela
levanta um tópico muito importante nos jogos de RPG: a elevação a uma categoria
quase mítica a figura do narrador. E essa elevação acontece de inúmeras formas
e na maioria, se não todas, de forma negativa. Criou-se uma cultura no meio
rpgístico de verticalidade na relação narrador/jogador e Aline contesta
exatamente isso. Nas palavras dela, “são duas partes de uma mesma narrativa” e
eu concordo plenamente. Assim, cabe aos jogadores participar mais da narrativa
e ao mestre dar esse lugar de expressão a eles.
A parte que vejo pouco explorada
é o questionamento sobre a necessidade de o narrador ter que, constantemente, puxar
essa agência. Claro, se ele não oferecer e tomar todo o espaço de fala pra si,
isso não é possível e existe algo de muito errado (ou não, vai saber a dinâmica
de cada grupo, não é mesmo?). Mas colocando aqui uma perspectiva subjetiva de
quem curte um jogo equilibrado entre narrativa e jogabilidade, penso que os
jogadores podem ser mais presentes, participativos e, palavra-chave,
PROPOSITIVOS. Será que não cabe a eles também propor elementos da história? Não
estamos falando aqui do jogador do nada assumir que dragões vermelhos
subitamente cospem jujubas, mas de pequenas inserções muito bem-vindas.
Lembro de quando narrava uma
campanha de Dragonlance e um dos personagens dos jogadores morreu (Eastwind, primeiro
PJ morto pelas minhas mãos!). Lembro com ainda mais carinho quando, na sessão
de jogo seguinte haveria o funeral do personagem e um dos outros jogadores tirou
um papel detrás de sua ficha e recitou o poema “O último sopro do Vento do
Leste” em homenagem ao companheiro morto. Ninguém mandou, pediu ou sequer
indicou que ele deveria fazer aquilo. Foi uma ação espontânea e legítima de um
jogador para acrescentar à história.
No entanto, nessa mesma campanha,
haviam semanas em que, se eu não coordenasse e perturbasse meus jogadores para
que o jogo rolasse, nada acontecia. Havia um senso geral de que, além de mim
como narrador ter que coordenar a história, arbitrar as regras, interpretar os PdMs,
tinha também que gerenciar as agendas de um bando de adultos.
Entendo que se construiu toda uma
imagem do narrador como figura centralizadora de informações. É uma construção
histórica e que tem relação com suas atribuições em maior ou menor grau. Mas acredito
também que já passou da hora de deixarmos de lado esse paradigma paternalista
em que os narradores têm que pegar seus jogadores pela mão para que as coisas
aconteçam.
Retomando a questão do início
desse texto sobre ações disruptivas, acho que cabe aos jogadores também terem
certo bom senso de jogar COM o mestre e não CONTRA ele, forma como enxergo a
relação entre o narrador e o jogador da história de meu amigo. No final, não
competiam no sentido tradicional que imaginamos com o narrador tentando matar
os personagens, mas era uma competição de egos e inteligências ali que não fez
nada senão quebrar um jogo potencialmente bacana.
Concluindo, defendo totalmente a agência dos jogadores (e tenho consciência de que eu, enquanto narrador, ainda tenho muito o que trabalhar nesse sentido), mas vou um passo além do “narrador que dá espaço” e peço que os jogadores quebrem essa relação de dependência, propondo. E entendo que talvez seja mais fácil a jogadores que também tenham experiência narrando, mas tentem pensar no lugar do seu narrador. Tentem entender um pouco quais dilemas estão sendo propostos ali e das dificuldades que ele está passando e joguem também com isso. Não apenas “interpretem seu personagem” de forma egoísta. Interpretem dentro de um contexto de uma história que está sendo contada coletivamente, pelo esforço e dedicação de cada um envolvido. Se faltarem motivações ao personagem, lembre-se que o jogador tem a maior delas: continuar jogando e se divertindo com seus amigos.
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