quinta-feira, 22 de fevereiro de 2018

Diário de campanha - Cartas de Aron - 12 de Kythorn de 1488


Phandalin, 08 de Kythorn de 1488


Oi Pai.

Não sei se minha primeira carta chegou pra vocês. Espero que sim porque, do contrário, meus próximos relatos não farão o menor sentido. Escrevo isso enquanto me preparo para dormir numa carroça ao relento porque alguém deve ficar de vigia. Mas adianto-me. Vamos do começo.
Como disse anteriormente, embarcamos numa jornada a fim de levar mantimentos para um vilarejo chamado Phandalin a sudeste de Neverwinter. Somos em cinco e Autarg, claro, está comigo. Há um pequenino também conosco que conheci há pouco na cidade e achei que poderia ser útil. Milo é seu nome e o rapaz, embora tenha um passado complicado (e quem não hoje em dia?), parece estar com o coração no lugar certo. Além deles, temos também um nobre cavaleiro servo de Tyr, Hyvan, e um mago elfo devoto de Ohgma, Paelias. Esses últimos dois eu conheci recentemente. Gundren insistiu que sua ajuda seria necessária e os contratou. E que bom que o tenha feito!
Saímos de Neverwinter pela manhã e a estrada estava tranquila por todo o primeiro dia. Mas no segundo dia de nossa viagem, avistamos dois cavalos mortos no meio do caminho. Temendo algum tipo de emboscada, seguimos adiante cautelosos. De fato, foi uma emboscada, o que percebemos pelas flechas negras fincadas nos pobres animais. Mal nos apercebemos da situação, fomos nós mesmos atacados por um bando de goblins. Criaturinhas vis! O que têm de fraqueza, compensam com crueldade, número e astúcia. Até mesmo o cavaleiro com sua armadura pesada foi gravemente ferido por elas. Mas ao fim, tudo deu certo e derrotamos nossos pequenos inimigos. Passado o embate, encontramos pelo chão um tubo porta-mapas. Para meu espanto e desespero, pai, as inicias rúnicas de Gundren estavam marcadas no tubo! De súbito, uma preocupação avassaladora me acometeu. Mas não encontramos corpos, apenas uma trilha que levava para o norte com as pegadas de nossos inimigos. Sem pensar duas vezes, resolvemos seguir.
Chegamos à entrada de uma caverna de onde corria um pequeno riacho. Eliminamos rapidamente dois sentinelas que se escondiam do lado de fora e entramos. Era escuro e isso dificultou muito a vida de meus companheiros. Defrontamos com um goblin que andava sobre uma ponte que cruzava o riacho e, sendo avistados, tentamos eliminá-lo o mais rápido possível para que não avisasse os outros. Ainda assim, fomos notados: logo, uma torrente d’água desce pela caverna nos acertando em cheio e nos arrastando para quase fora. Uma segunda tentativa e já estávamos um pouco mais preparados. Subimos a ponte e seguimos o caminho para oeste. Foi quando chegamos a uma câmara repleta dos pequenos seres asquerosos, porém, nada podíamos fazer: seu líder mantinha Sildar, companheiro de Gundren sob a ponta da faca. Tentamos negociar e ganhar tempo para pensar numa saída daquela situação, mas não conseguimos e tivemos de ceder: o líder Yeemik pediu que nós lidássemos com um concorrente seu do outro lado da caverna, uma criatura grande chamada Klarg. Imagine como nos sentimos tendo que realizar uma tarefa praquela criaturinha nojenta! Mas como não víamos outra opção para salvar Sildar, seguimos com o plano. No caminho, enfrentamos mais alguns goblins até que chegamos a uma outra câmara maior. Estava aparentemente vazia, mas fomos emboscados quando, de trás de um monte de caixas do que pareciam ser mercadorias roubadas, surgiram goblins e uma grande criatura com força pra rivalizar até mesmo com o Autarg. Foi uma batalha rápida, porém violenta e eu mesmo não saí ileso. O senhor deveria ter visto minha cara quando levei uma pancada que chegou a tirar o ar de meus pulmões!
Cumprido o objetivo escuso, voltamos ao líder dos goblins para terminar nosso trato e sair daquele lugar asqueroso o quanto antes com Sildar. Foi revoltante tratar com criatura tão vil, mas não podíamos simplesmente quebrar com nossa palavra. No entanto, secretamente prometemos voltar lá nem que seja para recuperar as mercadorias roubadas que são do povo de Phandalin por direito.
De volta à estrada a caminho de Phandalin, conversamos e tratamos das feridas de Sildar. Ele confirmou que os cavalos de fato eram o seu e de Gundren e que foram emboscados. No entanto, para minha tristeza, nem ele nem Yeemik sabem para onde meu primo foi levado. Desculpe, pai, juro que estou tentando. Prometo que farei de tudo pra encontrar Gundren, mas agora precisamos ir a Phandalin a fim de descansarmos e nos prepararmos para o que vem pela frente. Meus colegas foram à estalagem descansar, mas como chegamos tarde da noite, alguém precisa ficar fora para tomar conta da carroça e assumi essa função. O sol já quase raia e começo a ver os primeiros movimentos nas casas. Logo nos meteremos em mais alguma empreitada, com certeza.
Esse foi só o começo de minha viagem e Marthammor já me põe à prova dessa forma. Que o nome dos Buscapedra me ajude e me dê forças para o que há de vir.

Com saudade e carinho, seu filho

quarta-feira, 21 de fevereiro de 2018

Análise comparativa entre as edições 3 e 5 de Dungeons & Dragons

Os jogos de RPG têm esse hábito estranho de imitar a progressão dos softwares: com o tempo, são lançados suplementos, atualizações e renovações dos sistemas, muitas vezes para o desgosto dos fãs. Não saberia apontar se foi ele que começou com isso ou não, mas o fato é que D&D não é exceção a essa tendência. Em 2000, tivemos a revolução que foi a 3a edição. Foi revolucionária porque arrumou a casa ao mesmo tempo que trouxe uma série de inovações muito bem-vindas do que antes era apenas material complementar da versão anterior do sistema. Tivemos no meio do caminho uma "atualização" 3.5 e, em 2008, a muito mal falada 4a edição. Finalmente, chegamos à 5a edição atual com a qual se ocupa a Wizards of the Coast, atual detentora dos direitos do jogo.
Tendo jogado muito da 3e e já me sentindo minimamente respaldado sobre a 5e, resolvi fazer esse texto para dar uma ideia geral a quem curte D&D e ainda não experimentou a 5a edição. Em geral, considerarei elementos da 3.5 e pulo qualquer perspectiva de análise da 4a simplesmente porque não acredito que valha a pena. Assim, vamos aos elementos comparativos propriamente ditos.

Política de lançamentos

Olhando para trás, penso que a 3e foi a edição das listas. Tínhamos listas de classes, classes de prestígio, raças, talentos, perícias, itens mágicos, magias etc. Um bom suplemento tinha que vir com uma dose desses elementos para ser aceito e você tinha livros inteiros dedicados a trazer esses elementos especializados e gerar opções para os jogadores. Isso, se pensarmos só nos livros da Wizards mas, se extrapolarmos esse fenômeno para os livros das outras editoras que se aproveitaram da licença D20, isso vai longe. O que aconteceu é que, em pouco tempo houve uma enxurrada de material que, de certa forma, saturou um pouco o sistema. Muitos podem defender que eram elementos opcionais mas, ainda assim, existia um senso de opressão que fazia parecer que nunca estávamos acompanhando o produto do jeito certo ou que poderíamos fazer algo mais. E claro, ficávamos chateados quando víamos que certos materiais eram apenas caça-níqueis.
Na 5e, a Wizards adotou uma estratégia diferente. Já fazem quase 4 anos desde o lançamento oficial do produto e vemos uma quantidade bastante enxuta de livros publicados (se comparada ao mesmo período na 3e). Desses, poucos são dedicados exclusivamente a expandir as “listas”. Muitos desses lançamentos foram módulos de aventura que, ocasionalmente, até trouxeram uma ou outra regra variante mas tinham como foco apresentar boas histórias interessantes aos jogadores. Apenas recentemente com o Xanathar’s Guide to Everything é que vimos um livro inteiro dedicado a expandir regras. E como curiosidade: adotou-se o cenário de Forgotten Realms como oficial (diferente da 3e que adotou Greyhawk inicialmente) mas até o momento, não há exatamente um livro de cenário oficial para qualquer mundo de D&D. O mais próximo disso é o Sword Coast Adventurer’s Guide que ainda assim é bastante incompleto enquanto tal.

Menos modificadores

Muito embora a 3e tenha limpado um bocado das tabelas e "sujeiras" do antigo AD&D, parametrizando melhor certos aspectos e deixando as coisas um pouco mais concisas, o jogo ainda se baseava fortemente em uma premissa: você rola 1d20, atribui modificadores positivos ou negativos ao resultado e compara o valor final a um número alvo que pode ser um valor pré-estabelecido (como a CA) ou um valor arbitrário definido pelo narrador (como em um teste de "Conhecimento: História"). Na 5e, essa premissa persiste de forma idêntica. O que muda é a quantidade de modificadores pré-definidos. Isso porque a 5a edição introduziu um novo elemento: a vantagem e desvantagem nos testes. Em ambos os casos, ao invés de rolar apenas 1d20, rolam-se 2. No caso da vantagem, escolhe-se o maior valor. No caso da desvantagem, escolhe-se o menor. Com esse simples sistema, elimina-se uma grande quantidade de modificadores e, consequentemente, números para serem lembrados e computados. É bem verdade que, em certas circunstâncias, esse sistema pode soar um tanto simplificado demais. No entanto, torna-se uma ferramenta bastante útil e dinâmica de arbitragem para o narrador. Exemplos: o ladino ganha vantagem em seu ataque se um companheiro estiver engajado com o inimigo atacado ou um inimigo ganha desvantagem em seu ataque se você utilizar a manobra "Dodge".

Proficiência

Outra alteração significativa que contribui para a “elegância” da 5e, são os pontos de proficiência. Não existe mais Bônus Base de Ataque ou graduações em perícias. Existe um único elemento na ficha, a Proficiência que é um valor igual para todas as classes de igual nível, ou seja, o guerreiro ou o druida de 11º níveis terão o mesmo valor de proficiência. Todo personagem começa com um bônus de proficiência de +2 e isso aumentará até +6 no 20º nível. O que muda de um personagem para outro é onde e como esse bônus é aplicado. Vai realizar um ataque? 1d20+Modificador da habilidade+Proficiência. Teste de perícia? Mesma coisa. Não é proficiente no que está tentando fazer? Simplesmente não some o valor da Proficiência. Simples e resolve uma série de complicações no sistema. Admito que ainda não tenho a dimensão de como isso se comporta nos níveis mais elevados uma vez que me parece que os números na 5e tendem a ser um pouco menores por conta disso.

Classes de Prestígio

A priori, não existem. Pelo menos, não da forma como eram colocadas na 3e. Na 5e, existe sim um sistema de "especialização" da classe do personagem, mas ele acontece de outra forma. Para a maioria das classes, isso acontece no 3o nível onde escolhe-se um "arquétipo". O nome que se dá a essa especialização varia de acordo com a classe. O guerreiro, por exemplo, escolhe um arquétipo marcial enquanto o druida escolhe um círculo e o bardo um colégio. Algumas classes têm essa escolha feita no 1o nível como o clérigo e o feiticeiro que devem escolher uma divindade/domínio e uma linhagem, respectivamente. Uma diferença fundamental entre as edições é que, enquanto na 3e a classe de prestígio era um elemento opcional, na 5e todo personagem terá que fazer essa escolha. A especialização é parte inerente do progresso da classe básica.

Talentos

Na 3e, um elemento muito importante que veio à tona foram os talentos. Eles ajudavam a personalizar seu personagem e ter acesso a várias exceções às regras. Na 5e, talentos são um elemento colocado como opcional, estão em número muito menor e sua importância foi sobreposta pelos aumentos de habilidade. Por isso, na 5e, quase todos os talentos conferem algum tipo de aumento nas habilidades além de permitir algum tipo de intervenção nas regras convencionais. Também, por conta de alterações de elementos específicos, muitos talentos foram descartados porque não fariam sentido.

Perícias

Na 5e, as perícias foram bastante enxutas, havendo várias amálgamas de funções. Portanto, não há mais Esconder-se e Furtividade, apenas Stealth. Não existe mais Ouvir e Observar, apenas Perception. É bem verdade que a lista diminuiu também porque há perícias que agora estão “camufladas”. Todo personagem ganha de uma forma ou de outra proficiência em certas ferramentas. Podem ser ferramentas de ferreiro, de pintura, de carpinteiro etc. Essas habilidades não ficam na lista de perícias embora, na prática, comportem-se exatamente como tal e substituam os vários ofícios e profissões da 3e. Ainda assim, as mudanças são bem-vindas porque as perícias ficaram bem mais simples de resolver pelo sistema de proficiência do que pelo sistema de graduações com aqueles pontos intermináveis e cálculos chatos (quem já jogou com ladino, sabe do que estou falando).

Magias

Talvez esse seja o único tópico em que devo de alguma forma lembrar a já extinta 4e. Tenho que admitir que eles incorporaram alguns elementos da versão anterior que acredito que deixam o sistema todo mais interessante. Em geral, as magias foram bastante enxugadas. Isso porque você agora tem magias que podem ser lançadas em diversos níveis, à escolha do jogador. Por exemplo, a magia Cure Wounds substitui todas as magias de cura da 3e. Na prática, o resultado é o mesmo, você tem acesso aos mesmos efeitos curando 1d8 por nível da magia. O que muda é que você economiza um espaço enorme nos livros e não tem que inventar nomes diferentes para 5 ou 6 variações das mesmas magias.
O processo de preparação das magias também é diferente agora. Na prática, todas as classes lançam suas magias dentro da lógica do Feiticeiro da 3e: você tem uma lista de magias à sua disposição e slots de magia. À medida que conjura os feitiços, gastam-se esses slots. É bem mais maleável que na 3e. E o Feiticeiro mesmo da 5e recebeu um mecanismo próprio envolvendo Pontos de Feitiçaria com os quais ele consegue criar efeitos diversos (incluindo coisas que antes eram efeitos metamágicos).
Outro elemento que foi herdado é das magias rituais. Conjurando magias dessa forma, gasta-se muito mais tempo, mas não se consomem os slots.
Além disso, os Cantrips, magias de nível 0 agora podem ser usados sem limite.

Regras menores

- Flanquear: agora é regra opcional e confere vantagem nos testes de ataque dos atacantes
- Dodge: deixou de ser um talento para se tornar uma manobra de combate substituindo a Defesa Total. Quando um personagem entra em Dodge, qualquer ataque contra ele tem desvantagem.
- Ataque Furtivo: Agora, além de valer em qualquer tipo de inimigo (mortos-vivos inclusive), seu valor é dobrado no crítico (sim o ladino é muito roubado na 5e!)
- Agora um personagem pode se mover, realizar uma ação e completar seu movimento. Antes, isso só era permitido com a aquisição de um talento.
- A classe Warlock (Bruxo?) e a raça Dragonborn (Dragoniano?) agora fazem parte do acervo básico de opções dos jogadores.
- Em geral, as raças não conferem penalidades em habilidades, apenas bônus.
- Visão na Penumbra não existe mais, apenas a visão normal e Darkvision.
- Ataques de oportunidade agora só são desferidos se o personagem se mover para fora da área de ameaça de determinada criatura e não quando se move dentro dessa área. Além disso, é possível facilmente se livrar do ataque usando a manobra Disengage em que o personagem apenas se move com cuidado mas não realiza qualquer outra ação da rodada.

Enfim, há uma infinidade de elementos que poderiam ser citados comparando uma edição com a outra mas a ideia desse texto é apenas dar ao antigo jogador da 3e uma noção. Até o momento, minha experiência com a 5e tem sido bastante positiva e concluí que ela é bem mais fácil de ensinar que a 3e. Ainda tenho grande carinho pela 3e e ainda penso em utilizá-la em futuros jogos, um dia, mas certamente me apropriando de alguns elementos da nova edição.

Sombras em Nostar

Eles levavam suas vidas cotidianas. Pescavam, caçavam, colhiam, construíam. Nada de extraordinário, heróico ou particularmente interessante....